Always remember: Elvis is dead, gravity kills and happiness sucks!

terça-feira, maio 10, 2005

Curiosos sonhos de verão

Sonhos de verão são curiosos. Era janeiro de 1992 e nós estávamos no Guarujá. Eu tinha 13 anos e só queria saber de futebol. Era uma festa todo dia: meu irmão mais velho já tinha carta de motorista e levava a gente pra cima e pra baixo de carro.

O programa mais comum era encontrar o Otto e João Paulo em Pitangueiras pra jogar futebol ou pebolim. O JP era um tremendo palmeirense que estudava com meu irmão do meio. Especialmente nesse verão, o hobby dele era encher nosso saco com a nova contratação do Verdão: Sorato, atacante 23 anos, vindo diretamente do Vasco.

Na quadra do prédio ele estava insuportável. Toda jogada que fazia ele gritava "Soraaaaaaaato". Driblava o poste e "Soraaaaato". Tropeçava na bola e "Soraaaaato". Defendia um chute (a essa altura eram chutes bastante cruéis visando acertar o goleiro, de preferência no saco ou na cara) e "Soraaaaato".

Lembro de ter passado dias de saco cheio com aquele maldito palmeirense que nunca tinha visto o time dele ganhar um título. Enquanto eu tinha acabado de comemorar os títulos de Campeão Brasileiro e Paulista com o São Paulo.

Quando chovia e nos mudávamos para o salão de jogos, novamente o JP vinha com aquela história de "Soraaaaato". A esperança do novo atacante realmente mexeu com o garoto. Ele tinha certeza que o Verdão saíria da fila com a contratação do "craque".

Dias depois seria a estréia do jogador no Palmeiras. Eu realmente não lembro quando, onde nem com quem o Verdão jogou. Mas lembro do JP de mãos suadas torcendo como se fosse final. Lembro da jogada pela direita. Lembro do cruzamento pousar no pé direito de Sorato. Lembro do petardo entrar à meia altura no gol. Indefensável, inegável e implacável. Gol de Sorato.

João Paulo nem gritou. Apenas olhava para a tela da TV e eu juro que vi uma lágrima nascer nos olhos dele. Não chegou a descer pelo rosto. Mas ela estava lá. Sorato corria pelo gramado, festejava, gritava. Era uma felicidade tão plena, tão pura, que nem um sãopaulino teria coragem de censurar.

De repente, no auge da comemoração um jogador do Palmeiras pulou em Sorato. Acertou o ombro do atacante e os dois foram ao chão. Ele levantou, Sorato não. A expressão da alegria deu lugar à dor. Vieram o médico, o massagista e os carregadores da maca. Sinal para o banco de reservas: Sorato está fora.

Nas horas seguintes soubemos que a contusão era séria: uma fratura. Não lembro quanto tempo levou para que ele voltasse a jogar e francamente não me lembro mais nem se ele ainda voltou a jogar naquele campeonato. Mas lembro da cara do JP quando ele se machucou. Na hora achei até engraçado ver como aquele garoto que sempre jogava bola comigo estava desolado ao ver seu Golias caído.

O verão se foi. E naquele ano eu ainda vi meu time ser campeão da Libertadores, do Mundial em Tóqio e do Paulista (em cima do Palmeiras). Eu quase repeti a 8ª série. Senti pela primeira vez meu coração disparar por uma garota. Descobri que seria roqueiro pra sempre. Concluí que meus pais não são perfeitos nem super-heróis. E soube que adorava humor negro.

Mas mesmo assim, nunca esqueci dos olhos do JP quando Sorato marcou aquele gol. 1992 ainda me ensinou que sonhos de verão são curiosos, mas são apenas sonhos.