Dave contra o Diabo
Na época da Inquisição, a Igreja sismou com tudo que era forma de arte. Não pode isso e não pode aquilo. Seria como a ditadura, só que em vez de você fritar no pau-de-arara, na pimentinha ou na cadeira do dragão, você virava churrasco na fogueira. Ah, você enxerga mal? Vai pra fogueira. Ah, você é manco? Vai pra fogueira. Ah, você padece com um gravíssima e crônica halitose que na verdade é originada por uma ferida no estômago? Vai pra fogueira, bafo-de-onça.
Uma das coisas que sempre me impressinou na Inquisição foi a perseguição aos músicos. Foi nessa época que surgiu uma das melhores definições para uma passagem musical. Diabolus In Musica foi a forma que a Igreja encontrou pra definir um arquétipo musical proferido em um intervalo. Na verdade esse intervalo nada mais é do que uma quarta aumentada de Dó e Fá sustenido. Mas a Igreja entendeu que essa harmonia era a chave pro Tinhoso pintar na Terra.
Esse compasso não tinha nada de novo. Na verdade isso vem da Grécia antiga. Os exércitos espartanos usavam essa melodia por acreditarem que esse intervalo colocava medo nos inimigos. Na verdade Diabolus In Musica é meio assustador mesmo, e quase toda música que quer dar medo apela pra isso. Quer tentar? Ouça "Black Sabbath", do Black Sabbath. Mas daí a dizer que Satánas vai colar na banca pois ouviu a música, é subestimar o chifrudo.
Desde que saquei que realmente gostava de música - e aprendi essa história contada aí em cima - pensei em qual seria o oposto do Diabolus In Musica. Cheguei a pensar que fosse "Rock Mountains High" do John Denver. Não pela música em si, que na verdade eu acho apenas mais uma balada pseudo-folk escrita por um ex-hippie num período em que música nos EUA era totalmente dominada por Michael Jackson e seu "Thriller".
Mas a definição que Denver deu à frente do Senado dos EUA, quando ele foi acusado de apologia ao uso de drogas, eu achei legal. Bom, por que ele foi acusado disso? É que alguém achou que o nome da música também poderia significar "Chapado de Pedra na Montanha" e não "Deslumbrado nas Montanhas Rochosas". Não vou dizer que a acusação partiu de uma certa Tipper Gore, então presidente de uma associação defensora da moral e dos bons costumes.
Enfim, o Denver encarou o marido da Tipper, o Senador Democrata Al Gore (sim, aquele que viraria vice-presidente do Clinton, que entregou a Copa do Mundo pro Dunga em 1994 e que tomou o maior chapéu da história política dos EUA) e disse: "Só alguém que nunca esteve nas Montanhas Rochosas num fim de tarde de outono, e que não sentiu a celebração da vida que aquela visão pode ser, pensaria que minha música tem a ver com consumo de drogas".
Bom, isso me bastou por um bom tempo. E assim John Denver ocupou durante muitos anos o posto de antônimo do medo em termos musicais pra mim. Depois eu comecei a sacar que isso varia muito. Então, de tempos em tempos, eu elejo novas canções que vão ocupar esse mesmo cargo. A última era "Leavin'" dos Mad Caddies. Mas bola da vez é "Last Song" do Foo Fighters. A música é do caralho. E a letra diz muita coisa.
Algo me diz que Dave Grohl vai ocupar esse posto por um bom tempo. Ele venceu o diabo. Não é pra qualquer um.
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