Um bom começo
Passa pouco das cinco da manhã de uma quarta-feira. Kléber é cobrador do ônibus e aproveita as manhãs para estudar as apostilas do supletivo. Quer tirar o diploma do segundo grau até o fim do ano. Ele é aplicado mas não se dá muito bem com física e química. Marina não tem mais do que 25 anos mas a aparência não ajuda. Talvez seja o cabelo mal tingido que ela toda manha tenta prender enquanto o ônibus solavanca no asfalto irregular do corredor.
As "Três Marias" se encontram no mesmo banco todas as manhãs quando o dia quase pensa em nascer. A primeira a entrar é Solange, a mais gorda. Ela sempre dá um bom dia sonoro e senta-se perto de Kleber. Tenta puxar um papo e consegue por alguns minutos, até ele perder-se novamente em contas, números e fórmulas. Dois pontos à frente vêm Dona Júlia e um outra que ainda não descobri o nome. Dona Júlia é a mais velha de todas e parece que cria um neto metido a bandido.
E todos parecem tão vazios. Por que às cinco da manhã todos os olhos parecem opacos e todos os corações estão partidos? Queria levantar e parar de ser testemunha. Queria fazer a diferença numa realidade apática e cruel. Severa como uma escola infantil onde ninguém tem sonhos. Queria ensinar crianças a sonhar. Queria explicar que, antes que o sol incomode nossos olhos ou a poluição comece corroer nossos pulmões - todos os dias - é possível ouvir pássaros cantarem em São Paulo. É, esse seria um bom começo.
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