Blind
No segundo acorde do terceiro compasso eu a reconheci. Usei o controle para subir o volume. Nem me importei com o avançado da hora. Fodam-se os vizinhos. Minha cabeça fez leves movimentos tentando acompanhar. Brotaram lembranças antigas e recentes. E logo me deu a impressão que quanto mais velho eu fico mais os anos passam rápido. Parece que 99 foi há duas décadas.
"Are you ready?", perguntou o vocalista. "I'm not quite sure", respondi. Será que é esse o mistério do amadurecimento: tratar com desleixo as memórias mais importantes? É que tudo ainda parece tão real, presente e eterno. Não, eterno não. Quase tudo. Dia a dia eu reaprendo isso, e sempre acabo esquecendo.
Lembrei de Santos, rock, amigos, inimigos, garotas, parceiros, irmãos, álcool, praias, viagens, carros, lábios, sangue, céu, cocaína, páginas, Rio Claro, família, futebol, escola, gente escrota. Lembrei da previsão do meu irmão. Em 1996, disse que me viu 10 anos mais velho. Exatamente como sou hoje. Parecia tão improvável. Mas é exatamente assim que sou hoje. E por mais que isso não me agregue autoconhecimento, não dúvido de quem eu fui e quem eu sou. E nem quem eu quero ser.
"I can see, I can see I'm going blind". Davis anuncia pela ultima vez. É hora de deitar e esquecer tudo que não aprendi hoje. Quem sabe, o Sol desista de se levantar logo mais.
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