Always remember: Elvis is dead, gravity kills and happiness sucks!

quinta-feira, agosto 25, 2005

Um bom começo

Passa pouco das cinco da manhã de uma quarta-feira. Kléber é cobrador do ônibus e aproveita as manhãs para estudar as apostilas do supletivo. Quer tirar o diploma do segundo grau até o fim do ano. Ele é aplicado mas não se dá muito bem com física e química. Marina não tem mais do que 25 anos mas a aparência não ajuda. Talvez seja o cabelo mal tingido que ela toda manha tenta prender enquanto o ônibus solavanca no asfalto irregular do corredor.

As "Três Marias" se encontram no mesmo banco todas as manhãs quando o dia quase pensa em nascer. A primeira a entrar é Solange, a mais gorda. Ela sempre dá um bom dia sonoro e senta-se perto de Kleber. Tenta puxar um papo e consegue por alguns minutos, até ele perder-se novamente em contas, números e fórmulas. Dois pontos à frente vêm Dona Júlia e um outra que ainda não descobri o nome. Dona Júlia é a mais velha de todas e parece que cria um neto metido a bandido.

E todos parecem tão vazios. Por que às cinco da manhã todos os olhos parecem opacos e todos os corações estão partidos? Queria levantar e parar de ser testemunha. Queria fazer a diferença numa realidade apática e cruel. Severa como uma escola infantil onde ninguém tem sonhos. Queria ensinar crianças a sonhar. Queria explicar que, antes que o sol incomode nossos olhos ou a poluição comece corroer nossos pulmões - todos os dias - é possível ouvir pássaros cantarem em São Paulo. É, esse seria um bom começo.

No expenses!

Bah...
O amor existe, o amor é fácil.
O amor não se lembra, o amor não discute.
O amor simplesmente não se importa com isso.
Hum...
Às vezes o amor é caro pra caralho!
E mesmo assim vale cada centavo.

domingo, agosto 14, 2005

Apenas na memória

Certas coisas deveriam existir apenas na memória. A guitarra de Kramer já não é saborosa e rouca quanto antes. A atitude perdeu a rebeldia juvenil. A postura curvou-se à reumática realidade comercial. Os sucessos já não soam como há quarenta anos. Eu preferia que o MC5 tivesse ficado em minha lembrança apenas. E sem Mike Arm.

Assistir ao show foi como mostrar o enigmático retrato a Dorian. Algo morreu. Um ciclo se fechou. Mas novos sons e bandas virão. Como esperanças e amores que se renovam. Como um coração que se cura e subitamente se prepara para uma nova vida. Uma vida sem passado, traumas ou mágoas. Ainda que não esquecido, o MC5 permanecerá no meu passado apenas. Como a trilha sonora de algo que se foi.

sábado, agosto 06, 2005

Ah! Que dia maravilhoso

É isso mesmo, 53% dos norte-americanos acham que o governo fez certo ao jogar a bomba em Hiroshima há 60 anos. Essa pesquisa nos deixa realmente chocados? Convehamos, não mesmo! Pensando obtusamente, seria como 53% dos alemães apoiando o holocausto. Pobres japoneses, não têm o mesmo lobby que os judeus no governo dos EUA. Quem mandou não estar no Oriente Médio, Japão.

Aí um respeitadíssimo psiquiatra chamado Peter Salvoy diz que o ciúme é responsável pela nossa evolução. Com ele, os machos querem garantir que sua herança genética será perpetuada. Com ele, as fêmeas asseguram que seu macho continuará agindo como provedor. O macho não tolera escapadelas da fêmea. A fêmea tolera, contanto que ele continue provendo. Pensando obtusamente, seria como chamar homens de cretinos e mulheres de imbecis. (Hum, não parece um pensamento tão obtuso.)

Agora vamos brincar de ligue-os-pontos. A evolução humana baseou-se num sentimento torpe. Seis décadas depois de fazer merda, num mundo sem guerras no ocidente, mais da metade da nação mais poderosa do mundo acredita que dizimar 40 mil mulheres e crianças num segundo era realmente o mais sensato a se fazer.

Eu não sei vocês, mas estou começando a ficar realmente com medo desse mundo.

sexta-feira, agosto 05, 2005

Six, six, six

In 1976-6-6
I was born a bastard and a son of a bitch
And I'm sick, sick, motherfucker, sick

In 1976-6-6
I nailed a G.I. Joe to the crucifix
And I'm sick, sick, motherfucker, sick

I don't wanna commit suicide
I just wanna commit a homicide
Oh yeah, that's what I am

'76 born a son of a bitch
'76 born a son of a bitch
Oh yeah, that's what I am

In 1976-6-6
I had a porno mag inside my crib
And I'm sick, sick, motherfucker, sick

In 1976-6-6
I killed an animals rights activist
Because animals ain't got no rights, that's right

Médico e Deus

Queria ter nascido médico. Queria conhecer plenamente nossa anatomia interna. Queria saber por que o coração incha e pressiona os pulmões na caixa torácica. Queria saber por que o estômago gela enquanto os outros orgãos lutam. Queria saber por que o maxilar se contrai e os molares se esmagam em revolta e dúvida.

Queria ter nascido Deus para entender o motivo de tudo. Para saber o que cada sentimento significa e como contorná-lo, e como aproveitá-lo, e como esquecê-lo. Queria saber colocar mais exclamações que interrogações. Queria passar por mais celebrações e menos interrogatórios. Queria ter inventado um jeito de consertar tudo que está quebrado. E errado. E errante.

Queria ter nascido médico e Deus. Queria cravar uma talhadeira de ferro puro no peito. Com golpes vigorosos e certeiros de marreta. Queria derramar um pouco de mim pelo mundo, e transformar em noite a mais bela tarde de sol. E ver o mundo esvaziar e dormir. Queria voltar pra casa a pé, e encontrar um caminho que me leve ao começo de tudo.

quinta-feira, agosto 04, 2005

Um brinde à gravidade

Heaven knows! São 120 decibéis nos ouvidos, 300 joules no peito, 20 kilos nas costas, 26 anos nos olhos, menos de duas décadas na cabeça, 36 graus nas mãos, 187 centímetros de alto a baixo e ângulos obtusos nos joelhos. Hoje eu ensinei uma pessoa. Mostrei que conjunção pode significar criação. Ela me ensinou que conjugação pode significar união, compatibilidade e superação.

E se Poe rimou tantas belezas sobre corvos eu faço o contrário. De fato não estou amarrado a nenhum penhasco esperando que minhas entranhas sejam devoradas diariamente. O medo da altura se foi. E ainda dizem por aí que numa tempestade em alto mar o Sol nunca se mostra. Por hora basta saber que além das nuvens brilha algo novo.

Um brinde a quem vem aí. "Esse mundo é muito cruel para se colocar deliberadamente uma criança nele". Tem toda a razão. Mas a esperança - ainda que tola e vacilante - renova. O que foi tirado ou roubado é esquecido ou substituído. E é assim com todo mundo que perambula por aí. Pessimistas ou realistas é bom sentir-se vivo e não encontrei quem discordasse disso. Mesmo aqueles que disseram um trágico adeus sorriram de verdade uma última vez há pouco tempo.

Meu tempo por aqui se esgota rapidamente. Mas como o barco que rasga a tormenta, basta saber que além das colunas de água e vapor elétrico explode um novo vento magnético. Minha bússola está desregulada. Mostra as antípodas de onde deveria me levar. Mas mesmo indo sempre a norte, um dia chegarei no sul.

Um brinde à gravidade e a uma Terra redonda. Um brinde ao passado que ensina. Um brinde ao frio que me aquece cada vez mais e mais. Um brinde à cítrica e doce realidade que nos aguarda.

terça-feira, agosto 02, 2005

"Torne-se aquilo que você odeia"

Ele me disse tantas coisas, e eu sei que não prestei muita atenção. Mas consegui fingir que aquele assunto me interessava. Hoje eu não sei bem por que não me interessei de verdade. Hoje que quero saber outros detalhes. Mas na hora parecia mais legal tentar prestar atenção no que Nick Cave estava cantando. Era Good Good Day se não me engano.

E, enquanto Cave dizia que aquele era um bom dia, ele foi me falando dele e sobre essa improvável história de amor. Sobre como ele simplesmente acordou apaixonado por alguém que esteve sempre lá. Como em 60 dias a vida desses dois mudou e as barreiras que antes estavam tão próximas ficaram tão distantes. Falou sobre altos e baixos, e me disse coisas sobre segurança.

Foi quando ela chegou na conversa. Ela era tão improvável. Qualquer outra garota seria óbvia demais. E eles falaram sobre atravessar a cidade apenas para dizer tchau. E falaram sobre times rivais e conflitos musicais. Sobre despedidas no aeroporto. Sobre olhares e perguntas. E entre tantas interrogações aqueles dois estavam de fato apaixonados: e até uma rocha teria notado.

Cave ainda berrava e sussurrava coisas sobre a tal Mary da música e eu lembro que fiquei orgulhoso de conhece-los. E fiquei com um pouco de inveja da coragem daqueles dois. E foi quando ele começou a me falar sobre coragem. "Torne-se aquilo que você odeia. Faça a diferença". Há alguns anos eu teria virado as costas e ido embora, mas eu entendi o que ela quis dizer com isso.

E entendi que é mais saudável exercitar meu fator de cura do que alimentar um ódio pueril e imaturo. Dois meses: passam num piscar de olhos, não? E era tão improvavel. Como olhar para uma tela de computador e sentir-se completo. Saí de lá leve e com vontade de aprender a tocar piano.